quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Histórias da Delegacia - Parte 1

Hoje vou deixar os sentimentos amorosos um pouco de lado e falar de outros tipos de sentimentos. Na verdade não só um pouco, porque o assunto é sobre a (quase) falta deles.
É uma série de acontecimentos que ocorrem diariamente no meu ambiente de trabalho: A Delegacia!
Aparecem vários tipos de casos, os quais vão de tristes a hilários, mas agora não quero falar dos tristes, pois hoje foi um dia de serviço muito bom!

(Pausa: Dia bom é considerado, para a maioria dos estabelecimentos prestadores de serviço, comerciais, etc., como aquele dia no qual quanto mais pessoas aparecem em busca da oferta proposta, melhor será para todos os funcionários, donos e tal, certo? Em uma Delegacia, esse valor é inversamente proporcional. Dia bom é aquele no qual não aparece sequer uma alma viva! Amém!).

Pra não mudar muito o rumo da conversa, vamos ao que interessa!
Há aproximadamente duas semanas atrás tive que registrar um B.O. contra um rapaz maior de idade que estava se relacionando com uma menor. A mãe dele compareceu à Delegacia para denunciá-lo, pois segundo ela, o casal mora em um barraco localizado nos fundos de sua residência e ambos são usuários de drogas, além do fato de que também praticam vários roubos e brigam frequentemente (pra não dizer todos os dias). A mãe do tal rapaz relatou que não aguentava mais aquela situação porque as brigas eram intensas e quase sempre havia facas no meio delas. O rapaz batia muito na garota e a mãe dele estava com medo de que ele a matasse. Pois bem. A Delegada, com toda autoridade que lhe é devida, mandou que os agentes buscassem o casal em casa para que fosse feito o procedimento.
Quando chegaram, depois de toda a conversa, sentei para fazer o registro, constando como crime a Lei Maria da Penha. Comecei com as qualificações e finalmente cheguei ao histórico, perguntando o que tinha acontecido. Eis que então a menor, na tentativa de defender o rapaz, pois estava praticamente sendo obrigada a se caracterizar como vítima de acordo com a vontade dos pais, me diz que não foi ele quem bateu nela e sim umas “vadias” da rua.

(Adendo: Mulher é mesmo um bicho besta! Não importa a idade, mas a impressão é que quanto mais eles batem, mas elas gostam, aceitam e não querem os deixar. É a famosa mulher de malandro, “Ele me espanca, mas eu gosto!” Incrível isso, mas...).

Enfim, depois de toda a irritação que a “fulaninha” causou em nós (em mim, na Delegada, nos Agentes, pois ela estava rindo e curtindo com a nossa cara), como não atingiu a maioridade ainda, ela não tinha que querer ou deixar de querer nada. O procedimento foi feito mesmo assim e o namorado ficou como autor dos fatos, pois a mãe dele mesmo era a maior testemunha. O caso foi passado para ser investigado e virou um Inquérito Policial, como de praxe.
Nesses dias, a escrivã que toma conta dos Inquéritos estava de férias e houveram vários casos registrados e repassados, apenas aguardando pela sua volta a fim de que fossem iniciadas as investigações (uma média de 15 em 10 dias!!!).
Ontem ela retornou ao trabalho e quase enlouqueceu quando viu aquele tanto de coisa em cima da mesa dela. No final da tarde, recebi a notícia da morte desse tal rapaz, ocorrida no domingo quando ele voltava pra casa e foi abordado por alguns motoqueiros que o esfaquearam.
Portanto, na tentativa de alegrar a minha cara colega de trabalho, me dirigi até a sua sala e falei com certo ar de empolgação: “Tenho uma ótima notícia pra te dar!!!”. Ela abriu um sorriso e perguntou qual era essa notícia tão boa. Então eu disse mais empolgada ainda: “Você tem um Inquérito a menos para investigar, ou seja, menos pessoas pra ouvir, porque o autor de um deles morreu no domingo!!!”. Ela para, me olha por um instante e diz: “Meu Deus, a que ponto chegamos?! Carol, nesse pouco tempo que você está aqui e já está com esse pensamento? Que frieza!”. Eu, com a minha inocência, pensei por alguns segundos e falei ruborizada e meio sem-gracinha: “Nossa....nem me dei conta do que falei!” De repente, ela e o Agente Policial que também estava na sala começaram a rir da minha cara e eu me desculpei por ter trocado meu coração por um pedaço de gengibre (como diz um amigo muito querido).
Deixo claro que eu não fiquei feliz por causa da morte dele. A minha intenção era amenizar o stress da minha colega, né?! Mas, eu falei sem pensar e acabei falando demais, pra variar! (Ou então realmente estou ficando mais fria, pra algumas circunstâncias, pelo menos...).

É aí que entra a (quase) falta de sentimentos. Concluindo, a moral da história é a seguinte: Trabalhar na Delegacia é assim. A gente esquenta a cabeça e esfria o coração! Involuntariamente, diga-se de passagem.

Acho que tô ficando assim: metade gelo, metade fogo... =x

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